Apenas um quinto dos presídios tem vagas especiais para população LGBTQIA+ - Don't LAI to Me #128
E mais: conseguimos os dados de punição de magistrados pelo CNJ. Desde 2008, a maioria teve aposentadoria compulsória decretada – nenhum juiz foi punido com demissão.
Esta é a edição #128 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
⬛ População LGBTQIA+: oferta de vagas especiais em presídios é superior ao número de presos, mas distribuição pelo Brasil é completamente desigual
Quantas celas e alas exclusivas para a população LGBTQIA+ existem hoje no país? E quantas pessoas desse grupo estão encarceradas em presídios brasileiros? Essas perguntas ganharam ainda mais relevância depois que o Senado Federal aprovou, em maio, um projeto de lei que determina a construção ou adaptação de celas, alas ou galerias específicas para essa população em estabelecimentos prisionais.
A proposta, que ainda precisa ser analisada pela Câmara dos Deputados, visa corrigir um problema histórico: a falta de espaços adequados para os representados pela sigla LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais orientações sexuais e identidades de gênero). Mas qual a dimensão desse problema?
Fomos atrás dos dados sobre a quantidade de pessoas LGBTQIA+ encarceradas e o número atual de celas específicas para essa população.
Segundo os dados enviados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen).
à Fiquem Sabendo (FS), baseados em levantamento feito entre 2022 e o ano passado, 12.356 pessoas LGBTI – a Senappen usa a sigla que representa lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais – estavam encarceradas em 2022. Entre elas, a maioria se identificava como gays (2.855 pessoas) e lésbicas (2.415 pessoas).
O levantamento contabilizou ainda 2.038 homens bissexuais presos em 2022, além de 3.067 mulheres bissexuais, 680 travestis, 919 mulheres trans, 348 homens trans e 24 intersexuais. A maioria (72,5%) é de pessoas já condenadas.
Os dados comprovam a vulnerabilidade da população LGBTI encarcerada: apenas 24,3% dos 12 mil presos possuíam advogado particular. O restante era representado por defensores públicos ou não havia informação sobre a representação jurídica.
A maioria dos detentos, 63,92%, era negra (pretos ou pardos) – na população carcerária em geral, esse percentual era de 68,2% em 2022, segundo estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Geografia do cárcere
O levantamento aponta que a maior parte da população LGBTI estava encarcerada no estado de São Paulo (52,8%, cerca de 6,4 mil pessoas). A título de comparação, as cadeias paulistas detinham em suas celas, no ano passado, cerca de 30% do total de presos no Brasil – 197 mil de 642 mil pessoas – conforme o Relatório de Informações Penais, de dezembro de 2023, elaborado pela secretaria.
O estado mais populoso do país (44 milhões de habitantes) foi seguido por Minas Gerais (632 pessoas LGBTI encarceradas), Rio de Janeiro (579), Pernambuco (562) e Espírito Santo (501).
Somados, os cinco estados tinham 8.673 pessoas LGBTI presas, representando 70,2% do total naquele ano.
A distribuição dos encarcerados, no entanto, não é acompanhada pelo sistema prisional. Somando-se celas e alas especiais, a base indica a existência de cerca de 46 mil mil vagas para a população LGBTI, mas distribuídas de forma desigual.
Das 1.388 casas prisionais com celas físicas em todo o país, 80,4% (1.117) não possuem espaço especial para essa população. Com isso, muitos detentos podem estar encarcerados em celas comuns ou distantes de casa – o que contraria um dos princípios da Lei de Execução Penal, a manutenção de vínculos familiares.
O estado do Amapá, por exemplo, não possui nenhuma cela ou ala especial para a população LGBTI.
Os dados são do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, publicado em dezembro do ano passado.
Acesse os arquivos enviados pela Senappen aqui.
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🟨 Nos últimos 17 anos, CNJ puniu 135 magistrados – a maioria com aposentadoria compulsória; veja os dados
Mais da metade dos magistrados julgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foi punida com aposentadoria compulsória, revela análise feita pela Fiquem Sabendo.
Perguntamos ao CNJ quantos juízes receberam algum tipo de reprimenda desde 2008. A entidade é a responsável por supervisionar a categoria e, em casos de desvio de conduta, irregularidades ou infrações administrativas, aplicar medidas disciplinares, que vão desde advertência até demissão.
Recebemos do CNJ uma lista com 135 processos abertos desde 2007 – com decisões a partir do ano seguinte.
A análise dos dados mostra que a maioria das penalidades aplicadas foi de aposentadoria compulsória (59,3%), a segunda sanção mais rigorosa, conforme a Lei Orgânica da Magistratura Nacional.
Entre elas, está o caso de uma desembargadora do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, que foi aposentada compulsoriamente por usar o cargo, em 2017, para tentar soltar o filho preso por tráfico de drogas, como mostrou a Agência Estado. Outro exemplo é o de um desembargador do TJ do Ceará que foi punido com a aposentadoria por vender decisões (saiba mais no Migalhas).
A segunda punição mais aplicada foi a advertência (17%), seguida pelo afastamento, ou disponibilidade no termo técnico (14,8%). Nenhum magistrado foi punido com a demissão.
Mas o que significam essas punições? As sanções aplicáveis são atualmente seis:
Advertência - Usada em casos de infrações leves. O magistrado é formalmente advertido sobre sua conduta.
Censura - Aplicada para infrações mais graves do que aquelas que resultariam em advertência.
Remoção Compulsória - O juiz é transferido para outra localidade. Esta sanção pode ser aplicada quando a permanência do magistrado em determinada jurisdição for considerada prejudicial ao serviço judiciário.
Disponibilidade - O profissional é afastado do cargo, com direito a remuneração proporcional ao tempo de serviço, mas sem exercer suas funções até que se decida seu destino final.
Aposentadoria Compulsória - O juiz é aposentado de forma compulsória, recebendo proventos proporcionais ao tempo de serviço. Esta é uma das sanções mais graves e geralmente é aplicada em casos de faltas graves.
Demissão - Em casos extremamente graves, pode-se determinar a demissão do magistrado. Contudo, isso geralmente ocorre após um processo administrativo ou judicial que comprove a inadequação ou infração cometida.
A tabela baseada nos dados fornecidos pelo CNJ também indica que o ano de 2023 foi o com maior número de sanções, 23 (17%); seguido por 2010 com 22 (16,3%), e 2013 com 14 (10,4%).
É importante ressaltar que algumas decisões desta lista acabaram sendo revertidas posteriormente, sendo anuladas ou até mesmo cassadas pelo Supremo Tribunal Federal. Isso pode ser conferido no arquivo original em formato PDF enviado pelo CNJ.
Nesse arquivo também consta o número de cada processo listado, permitindo a busca por mais detalhes dos casos que não estão sob sigilo. Para isso, basta acessar a página de busca de atos normativos da instituição e digitar o número do processo desejado.
Dica da Fiquem Sabendo: A velha e boa busca no Google a partir desse número também pode trazer alguma informação, como as partes envolvidas, mesmo no caso de processos em sigilo, pois as atas das sessões do CNJ são públicas.
Acesse o arquivo enviado pelo CNJ aqui.
🟨 Indígenas no ensino superior: bolsa permanência beneficia 7 mil estudantes no país; MEC prevê investimento de R$ 60 milhões para campi da UFAM em São Gabriel da Cachoeira
Quais são as ações afirmativas para indígenas em universidades da Amazônia? Esta foi uma das provocações dos comunicadores e lideranças indígenas que fazem parte do "LAI em Territórios Indígenas", um programa de treinamento gratuito da Fiquem Sabendo sobre o uso da LAI e de dados públicos na região amazônica. A iniciativa conta com apoio do Internews, em aliança com USAID e WCS, como parte do projeto Conservando Juntos (saiba mais aqui).
Fizemos esta pergunta às universidades federais dos nove estados da Amazônia Legal e também ao Ministério da Educação para compreender como estão sendo implementadas políticas de ingresso e permanência de estudantes indígenas no ensino superior. Ações afirmativas para a população indígena se tornaram obrigatórias em todas as universidades federais com a lei 12.711/2012. Entre as medidas, o MEC citou na resposta o Programa Bolsa Permanência, que atualmente beneficia cerca de 7.100 estudantes indígenas e 6.900 quilombolas em todo o país, com valor reajustado para R$ 1400. A pasta também destacou o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica – Parfor Equidade Indígena, com o propósito de formar professores indígenas em diversas áreas do conhecimento, com aprovação de 39 cursos de Licenciaturas e Pedagogias Interculturais Indígenas em 2024.
Outra medida foi a publicação de Portaria do GT para criação da Universidade Indígena, também mencionada na resposta da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Segundo a instituição, a cidade de São Gabriel da Cachoeira, que tem 23 etnias e fica a mais de 800km da capital, Manaus, foi selecionada para receber um campi da UFAM, com custo de R$ 60 milhões para atender 2.800 alunos.
As universidades federais de Acre (UFAC), Rondônia (UNIR), Amapá (UNIFAP) e Mato Grosso (UFMT) também responderam nosso pedido. As demais ainda não enviaram informações. Acesse aqui as respostas completas
A equipe da FS esteve na UFAM no início de julho, realizando uma das oficinas presenciais do “LAI em Territórios Indígenas” com a participação de estudantes de jornalismo da universidade, além dos comunicadores e lideranças indígenas da região. Outra oficina presencial foi realizada em Boa Vista, na UFRR.
Por lá, também conhecemos o Centro de Documentação Indígena, que guarda um acervo exclusivo sobre os povos de Roraima, principalmente do território Yanomami, incluindo mapas, fotos, atas de reuniões para o reconhecimento da área e outros registros. Documentos digitalizados e agendamento de visitas para consulta podem ser solicitados pelo e-mail [email protected].
*Este conteúdo foi produzido com o apoio da Earth Journalism Network
⬛ Fiquem Sabendo na imprensa
Na CNN, o jornalista Pedro Duran mostrou os dados disponibilizados pela FS sobre as dívidas dos estados brasileiros com a União. Esses valores voltaram ao centro do debate público por causa da proposta discutida pelo governo federal para renegociação dos débitos.
O colunista do Estadão Marcelo Godoy analisou dados estatísticos obtidos pela FS sobre as punições disciplinares de militares do Exército. A análise mostra que os anos com maior número de punições foram 2017 e 2019, durante as presidências de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL). Acesse os dados das punições aqui.
A última edição da coluna dos nossos fundadores Maria Vitória Ramos e Bruno Morassutti abordou a falta de transparência de organizações da sociedade civil que firmam contratos com o poder público para atuar na saúde, educação e assistência social. Os dois instaram o ministro da Fazenda a "revisar o entendimento ilegal da Receita de que entidades que não pagam tributos têm o mesmo sigilo fiscal que o restante dos contribuintes: as declarações devem ser públicas e os dados compartilhados". Leia a coluna publicada na Folha de S.Paulo aqui.
Esta newsletter foi produzida por Francisco Amorim, com edição de Isabel Seta.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
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Associação Fiquem Sabendo
Direção Executiva: Maria Vitória Ramos | Direção de Operações: Taís Seibt | Coordenação de Advocacy: Bruno Morassutti | Gestão de Tecnologia: Vitor Baptista
Parabéns pelo trabalho. A ação na Amazônia, minha terra, é exemplar.