EXCLUSIVO: Médicos punidos - abrimos os processos do Conselho Federal de Medicina - Don't LAI to Me #127
Depois de batalha judicial, CFM libera dados de denúncias investigadas: em 2023, ginecologia e obstetrícia foi a especialidade com mais médicos punidos.
Esta é a edição #127 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
Número de processos ético-profissionais no Conselho Federal de Medicina dá salto em 2022 e 2023
A Fiquem Sabendo (FS) precisou recorrer à Justiça para acessar dados sobre investigações de condutas de médicos pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) – autarquia instituída por lei em 1957, responsável por fiscalizar a atuação de médicos no país.
Primeiro, solicitamos as informações em setembro do ano passado via Lei de Acesso à Informação (LAI), mas não obtivemos nenhuma resposta. Em outubro, entramos com uma ação na justiça federal, que, em dezembro, determinou a liberação dos dados. Após interpelação judicial, o CFM finalmente enviou as informações.
Os dados se referem aos procedimentos entre 2014 e 2023, incluindo sindicâncias, interdições disciplinares e processos ético-profissionais. A análise das informações mostra que nos últimos dois anos (2022 e 2023) houve um aumento significativo no número de processos ético-profissionais e que a categoria com mais sanções no ano passado foi a de ginecologia e obstetrícia.
O CFM disponibilizou os dados em 16 arquivos em PDF, que podem ser consultados aqui.
Segundo o conselho, o número de processos ético-profissionais (PEPs) abertos em 2022 aumentou 52,4% em relação ao ano anterior. Os julgamentos cresceram 42,4%, iniciando a elevação brusca confirmada em 2023.
Embora com números absolutos inferiores aos de 2022, o ano passado registrou 729 instaurações de PEPs e 710 julgamentos, mais do que o observado entre 2014 e 2021, como revela o gráfico abaixo.
O objetivo do PEP é apurar os fatos de maneira detalhada e decidir se o médico cometeu alguma infração ética. Trata-se de uma etapa que ocorre após a sindicância indicar que há elementos suficientes para apurar a responsabilidade ética do profissional. Se constatada a infração, o médico pode ser submetido a sanções que vão desde advertências até a cassação do exercício profissional.
Em 2023, nos 53 processos que acabaram sendo julgados no pleno do CFM, a conduta de 58 médicos foi analisada. Apenas 12 profissionais foram absolvidos e em outros dois casos ocorreu anulação e extinção do PEP.
O CFM considerou que 44 especialistas desrespeitaram o Código de Ética Médica – 15 deles foram punidos com a cassação do exercício profissional.
Entre os 44 profissionais sancionados em 2023, a maioria era especializada em ginecologia e obstetrícia (23,8%), seguida de clínica médica (11,9%) e cirurgia plástica (9,5%).
Recentemente, o CFM ganhou evidência pelo protagonismo na discussão pública que mobilizou o país sobre um projeto de lei que igualava o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio, criminalizando até mesmo procedimentos em casos de estupro. Foi uma resolução do conselho restringindo o aborto após 22 semanas, posteriormente suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, que levou à mobilização pelo projeto no Congresso.
Segundo as apurações do CFM, os pontos mais infringidos do Código de Ética Médica em 2023 foram o artigo 38 (12%), sobre “desrespeitar o pudor de qualquer pessoa sob seus cuidados profissionais”, o artigo 40 (11%) sobre “aproveitar-se de situações decorrentes da relação médico-paciente para obter vantagem física, emocional, financeira ou de qualquer outra natureza” e o artigo 18 (9%) sobre “desobedecer aos acórdãos e às resoluções dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina ou desrespeitá-los”.
Investigações preliminares
Já as sindicâncias, investigações preliminares instauradas a partir de uma denúncia ou queixa contra um médico, apresentam números estáveis nos últimos 10 anos, pouco mais de um procedimento aberto e outro julgado por dia. No ano passado, foram abertas 424 e 413 foram julgadas.
Do total de sindicâncias julgadas, 371 foram arquivadas e 39 subsidiaram a abertura de PEPs, as demais foram extintas. Médicos de 43 especialidades viraram alvo de PEPs. Os casos mais frequentes foram de profissionais de pediatria (11,6%) clínica médica(11,6%) e cirurgia plástica (9,3%).
Interdições cautelares crescem em quatro anos
Medida preventiva adotada pelo CFM quando há indícios de que o médico representa um risco iminente para a saúde ou a segurança dos pacientes, a interdição cautelar foi mais empregada entre 2020 e 2023 do que em anos anteriores.
Só no ano passado, foram 24 julgamentos de 25 médicos – 14 profissionais tiveram interdição total ou parcial confirmadas.
A medida pode ser tomada antes ou durante a sindicância ou o PEP e visa proteger a sociedade de possíveis danos causados pelo médico.
Ao todo, profissionais de 24 especialidades foram julgados. Ginecologia e obstetrícia (20,8%), clínica médica (16,7%) e endocrinologia e metabologia (8,3%) foram as especialidades mais frequentes.
Acesse a planilha criada pela FS com os principais dados compilados aqui.
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🟨 Dados dispersos dificultam compreensão do que se passa em terras indígenas e reservas ambientais no Brasil
Informações desatualizadas, dispersas e, muitas vezes, indisponíveis por meio de instrumentos de transparência ativa. Boa parte dos dados produzidos por órgãos governamentais sobre temas relacionados às terras indígenas, seus entornos e outras áreas protegidas por legislação ambiental se enquadram em maior ou menor medida no diagnóstico acima.
Plataformas interativas, portais de transparência e até mesmo a página de dados abertos do governo federal usadas para outros tipos de dados públicos ainda parecem realidade distante para questões como pesca ilegal, poluição das águas no entorno, mineração e saneamento nas aldeias.
Esses são alguns dos problemas mais comuns apontados por comunicadores e lideranças indígenas que fazem parte do "LAI em Territórios Indígenas", um programa de treinamento gratuito da Fiquem Sabendo sobre o uso da LAI e de dados públicos para comunicadores e líderes da região amazônica. A iniciativa conta com apoio do Internews, em aliança com USAID e WCS, como parte do projeto Conservando Juntos (saiba mais aqui).
A FS apurou que a transparência ativa ainda não é uma realidade para essas informações de interesse indígenas. Os dados quando existem acabam sendo publicados para o público por meio de organizações não-governamentais que solicitam, tratam e disponibilizam informações por meio de relatórios, sites e infográficos interativos.
Mineração
Um exemplo é o projeto de visualização de dados Amazônia Minada, da InfoAmazonia, que traz informações sobre mineração na área da Amazônia Legal. O mapa interativo permite observar a localização de áreas atingidas (incluindo terras indígenas e reservas ambientais), quais as principais extrações minerais e quais são as empresas que mais requerem áreas à Agência Nacional de Mineração (ANM).
Os dados podem ser baixados para serem analisados pelos usuários. As informações compiladas e empregadas nesta newsletter podem ser acessados aqui.
O tipo de mineral que mais demanda área de mineração nas requisições para terras indígenas e unidades de conservação é o minério de ouro (material bruto que contém ouro): 2758030,67 hectares, seguido do ouro (1.280.351,28 ha), cassiterita (817.124,28 ha), minério de cobre (541.863,80 ha) e sais de potássio (279.660,72 ha).
Atualmente, 63,7% das áreas requeridas entre unidades de conservação e territórios indígenas para mineração estão localizadas em território de povos originários. Cerca de 4.97 milhões dos 7,81 milhões de hectares.
Para esse trabalho, a InfoAmazonia informa que “são considerados todos os requerimentos que seguem ativos no sistema da ANM, “independente da fase de tramitação – mesmo que uma empresa tenha pedido desistência de uma solicitação ou indeferimento, se ela consta como válida no sistema da agência é incluída na base de dados do Minada”.
Os dados usados para esse projeto estão disponíveis com pouco tratamento no próprio site da ANM na seção do Cadastro Mineiro, sem dicionário de variáveis ou notas explicativas mais detalhadas. No portal, todavia, é possível localizar informações, por exemplo, como requerimentos de lavras para garimpo ativas. Depois de tratada, a base permite visualizar, por exemplo, os requerimentos ativos em todo o país, por tipo de mineração, ao longo dos anos.
A série é de 88 anos – desde 1936, como é possível verificar na tabela derivada consolidada pela FS. Apenas em 2024, são 75 requerimentos, de um total de mais de 19,6 mil requerimentos.
Qualidade das águas
Analisar grandes volumes de dados da qualidade da água de rios e suas nascentes, algo importante para os territórios indígenas, também não é tarefa fácil. Os dados estão disponíveis, mas nem sempre são fáceis de encontrar e tratar.
Atualmente o melhor caminho para isso é o Mapa de Avaliação da Qualidade das Água, da Agência Nacional de Águas (ANA), em que é possível encontrar dados das estações de qualidade da água em todo o território nacional.
Basta identificar no mapa interativo a região de interesse, localizar as estações existentes e clicar em “mais info” para acessar uma série de dados do monitoramento estacionário que podem ser baixados no computador.
Testamos a plataforma na semana passada. Acessamos, aleatoriamente, no mapa as estações de qualidade da água Serrinha, no Rio Negro, cerca de 21 quilõmetros da sede de Santa Isabel do Rio Negro (AM). Ao solicitar mais informações, podemos escolher entre arquivos em csv, txt ou mdb, baixados em uma pasta com arquivos compactados. Nela, havia, entre outros dados, informações sobre vazão do rio, sedimentos e qualidade da água propriamente dito – essa última planilha contém detalhes como o oxigênio dissolvido na água, indicador de saúde do rio, e presença de coliformes fecais. No caso dessa estação, a série histórica é composta por dados de março de 1978 até dezembro de 2023.
*Este conteúdo foi produzido com o apoio da Earth Journalism Network
🟨 E mais informações
Fim dos lixões: O Ministério do Meio Ambiente pretende apresentar um plano para o fim "humanizado" dos lixões no Brasil. A FS perguntou à pasta sobre a consulta realizada com os municípios. Apenas 283 responderam ao formulário elaborado pelo MMA – disponível aqui. Deles, a grande maioria (89%) afirmou ter lixões ou aterros controlados, mas apenas 82 (menos de 30%) responderam ter um plano para o encerramento da área. Dos municípios com aterros ou lixões, 98 (34,6%) afirmaram que esses locais ficam próximos de corpos hídricos (como rios ou córregos). Em quase 50%, há presença de pessoas, o que aponta para o tamanho do desafio de fechar lixões e aterros. Atualmente, o MMA está consultando as secretarias estaduais sobre informações atualizadas sobre a "forma de disposição final de seus rejeitos, se é adequada (aterro sanitário) ou inadequada (aterro controlado e/ou lixão)". Segundo a pasta, não há data para realização do plano, que dependerá de "disponibilidade orçamentária e decisão política".
Moedas do espelho d'água: perguntamos à Casa Civil como funciona a coleta de moedas jogadas no espelho d'água do Palácio da Alvorada, em Brasília, e qual o valor arrecadado com elas. A resposta foi "informação inexistente". Pois é,
segundo o órgão: "Não há registros nos arquivos da Diretoria de Apoio às Residências Oficiais desta Secretaria de Administração acerca do funcionamento nem da periodicidade da coleta de moedas do espelho d’água do Palácio da Alvorada, nos últimos anos, cuja última coleta foi realizada pela gestão anterior". Veja a resposta aqui.
⬛ Fiquem Sabendo na imprensa
No ICL Notícias, a partir de dados compilados e analisados pela FS, o repórter Igor Mello mostrou que, em 2023, a União teve ganho recorde com as taxas afetadas pela PEC das Praias.
O colunista Humberto Trezzi analisou no GZH as informações que disponibilizamos sobre o cancelamento, pelo Exército, dos registros de armas de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CACs).
Na Folha de S.Paulo, nossa diretora-executiva, Maria Vitória Ramos, e nosso diretor de Advocacy, Bruno Morassutti, dão exemplos de casos de corrupção descobertos por cidadãos a partir de informações públicas divulgadas em portais de transparência. Leia a coluna aqui.
Esta newsletter foi produzida por Francisco Amorim, com edição de Isabel Seta.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
Somos uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Trabalhamos para reduzir o desequilíbrio de poder entre a Sociedade e o Estado. Conheça nosso trabalho. Quer nos apoiar nessa missão? Nosso PIX (CNPJ) é 32.344.117/0001-89.
Associação Fiquem Sabendo
Direção Executiva: Maria Vitória Ramos | Direção de Operações: Taís Seibt | Coordenação de Advocacy: Bruno Morassutti | Gestão de Tecnologia: Vitor Baptista
Excelente edição essa da news do FS. Uma dúvida que tenho é que não aprendi nos cursos que já fiz sobre a LAI, é sobre como ter acesso a documentos históricos do período da Ditadura Militar? Eu devo fazer essA solicitações ao Exército ou especificamente ao Arquivo Nacional por se tratar de documentos públicos de valor histórico?