PEC das praias: o impacto na arrecadação; CACs cancelados pelo Exército e mais - Don't LAI to Me #126
União já obteve mais de R$ 4,6 milhões com taxas de terrenos de marinha; quase 41% dos cancelamentos de registros de CACs ocorreram no governo Lula; veja mais...
Esta é a edição #126 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
🟨 Taxas afetadas pela PEC das Praias deram mais de R$ 4,6 bi à União desde 2015; mas falta de dados dificulta análise
Questionada por ambientalistas e muitos especialistas em direito constitucional, a proposta que prevê a transferência dos chamados terrenos de marinha para estados, municípios e proprietários particulares afetará as receitas federais, como mostram dados analisados pela Fiquem Sabendo (FS).
A arrecadação da União com esses terrenos foi de mais de R$ 4,6 bilhões entre 2015 e os primeiros meses de 2024 com três taxas relacionadas à utilização e transferência das áreas: taxa de ocupação, foro e laudêmio.
A análise foi baseada em dados abertos publicados pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Há planilhas disponíveis sobre a arrecadação desde 2015 até este ano. O único ano sem dados publicados é 2019 – questionamos o Ministério da Gestão e Inovação sobre essa ausência, que afirmou que a equipe técnica está ciente do problema e atuando para resolvê-lo.
A Proposta de Emenda Constitucional 3/2022 (PEC 3/2022), apelidada de PEC das Praias e pivô da discussão entre Luana Piovani e Neymar Jr., propõe retirar a exclusividade da União sobre os terrenos de marinha, que são áreas numa faixa de 33 metros do litoral para o interior, a partir da linha imaginária da média das marés de 1831.
O objetivo é autorizar a transferência total deles por meio da cessão para estados e municípios ou pela compra por particulares – o que levanta preocupação sobre a privatização de praias por hotéis, resorts, condomínios, entre outros.
As taxas cobradas sobre esses terrenos
Na prática, muitos particulares já ocupam essas áreas e, por isso, precisam pagar taxas à União pelo uso e eventual comercialização:
Taxa de ocupação: pagamento anual de 2% do valor do terreno sem benfeitorias, feito por ocupantes de imóveis da União.
Foro: pagamento anual de 0,6% do valor do terreno sem benfeitorias, devido por aqueles que possuem 83% do domínio útil do imóvel da União.
Laudêmio: taxa de 5% sobre o valor atualizado do terreno, paga pelo vendedor ao vender um terreno da União.
Atualmente, essas três taxas representam 60,7% da arrecadação patrimonial da União no período (R$ 7,6 bilhões), totalizando cerca de R$ 4,6 bilhões – os 39,3% restantes se devem a aluguéis, permissões e cessões de uso, arrendamentos e alienações.
Do total arrecadado com as taxas que seriam impactadas pela PEC, R$ 2,1 bilhões são receitas advindas da taxa de ocupação, R$ 1,3 bilhão de foro e R$ 1,2 bilhão de laudêmio.
"Caos administrativo"
Essas três cobranças, no entanto, não incidem apenas sobre terrenos de marinha. Outras propriedades da União, como terrenos em áreas urbanas ou rurais, também podem estar sujeitas ao pagamento. Entretanto, a base de dados disponível no portal do ministério não permite esse recorte. Em outras palavras, não é possível estimar de forma mais precisa o impacto da proposição legislativa sobre a arrecadação dos terrenos de marinha.
De fato, há pouca clareza por parte do próprio Estado sobre as ocupações desses terrenos. Segundo reportagem do portal UOL, a SPU informou ao Senado que dos 2,9 milhões de imóveis em terreno de marinha, apenas 565 mil estão cadastrados. De acordo com o órgão, haveria um "caos administrativo" se a PEC fosse aprovada.
RJ e SP lideram arrecadação
O levantamento da FS indica ainda que os estados do Rio de Janeiro e São Paulo respondem por 47,7% da arrecadação patrimonial da União entre 2015 e 2024, somadas todas as taxas (laudêmio, taxa de ocupação e foro, como aluguéis, permissões e cessões de uso, arrendamentos e alienações).
Os dois estados do Sudeste são seguidos de Pernambuco e Santa Catarina, que estão entre os oito menores estados brasileiros.
Juntas, as quatro unidades federativas originaram 65,3% de toda a receita patrimonial do governo federal desde 2015.
Veja a planilha em que reunimos os dados analisados aqui.
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🟨 Comando do Exército cancelou 60,4 mil registros desde 2019, 40,7% deles já no governo Lula
Solicitamos ao Comando do Exército dados sobre registros de Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador (CAC) suspensos ou cancelados desde o início do governo Bolsonaro até agora. Autorizados a possuir armas de fogo, os CACs foram incentivados durante o governo do ex-presidente, que ampliou o acesso da categoria a armamentos. Já o atual governo revogou decretos de Bolsonaro e atuou para apertar o controle sobre o grupo.
O documento enviado pelo Exército indica que essa mudança de diretriz teve efeito. Entre janeiro de 2019 e abril de 2024, 60.438 certificados foram cancelados – 40,7% deles somente nos primeiros 16 meses de governo Lula (24.602 registros).
Um total de 5.572 registros foi suspenso, sendo que 83,1% das suspensões ocorreram também durante o atual governo.
Para compreender melhor os motivos dos cancelamentos e suspensões, pedimos informações sobre o fundamento normativo dos atos restritivos de posse de arma de fogo, números dos processos administrativos, estado, município e os nomes dos portadores do certificado no Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), usado pela corporação para monitoramento dos CACs no país.
O Exército, entretanto, indicou apenas os totais por ano e a região militar – o Brasil tem 12 regiões. Em sua resposta, o Exército afirma que “o SIGMA não disponibiliza os dados por município, conforme solicitado”.
Análise do TCU
Recentemente, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou fragilidades no sistema de controle de armas e munições do Exército. Em análise de um relatório de auditoria sobre o período de 2019 a 2022, o TCU constatou que a Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército foi "incapaz de fornecer dados confiáveis relacionados à quantidade de vistorias e fiscalizações de CACs e de entidades de tiro".
🟨 Ministério da Justiça e Segurança não tem informações sobre livros disponíveis em presídios federais
Pedimos à Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) a relação de livros proibidos em presídios federais e uma lista daqueles que compõem o acervo dessas penitenciárias. Mas o órgão, vinculado Ministério da Justiça e Segurança Pública, afirmou que não possui nenhum desses levantamentos.
A Lei de Execução Penal prevê o estabelecimento de bibliotecas com livros "instrutivos, recreativos e didáticos". Em fevereiro deste ano, reportagem da agência Pública mostrou que os presídios barram livros de forma arbitrária e, em muitos casos, só deixam entrar bíblias ou conteúdo de autoajuda.
A resposta da Senappen revela que o órgão não possui informações detalhadas sobre o assunto. Segundo o órgão, todo material é analisado "criteriosamente" e livros que comprometam a "segurança pública, a disciplina ou a ordem jurídica" são vetados – porém, não especificou quais são os critérios para essas análises e disse apenas que a decisão cabe a cada unidade.
A secretaria informou que “não mantém um rol taxativo de títulos restritos ou proibidos”.
Também não é possível saber quais livros compõem as bibliotecas das penitenciárias federais. Segundo a Senappen, "não existe" um sistema ou base de dados de catálogo de livros disponíveis aos custodiados.
A seleção dos materiais, que são doados ou adquiridos pelo órgão, é feita pela Divisão de Reabilitação de cada unidade, que organiza o acervo e o serviço de empréstimo aos presos.
Todas as unidades federais possuem bibliotecas que realizam empréstimos semanais de até cinco materiais de leitura, além do título para remição de pena pela leitura, conforme determinado pelo Manual de Assistências do Sistema Penitenciário Federal, estabelecido pela Portaria Nº 6, de 21 de março de 2022.
Acesse a resposta da secretaria aqui.
Se você quer nos apoiar nessa missão, considere contribuir para a nossa atuação fazendo um PIX (CNPJ) 32.344.117/0001-89 ou colabore mensalmente pelo catarse.me/fiquemsabendo. Para doações maiores e parcerias institucionais, escreva para [email protected].
🟨 E mais
Encontro instagramável: a visita ao Brasil em março do presidente francês, Emmanuel Macron, que será lembrada pelas fotos ao lado de Lula, custou R$ 219.679,03 aos cofres brasileiros. Conforme dados do Ministério das Relações Exteriores, os recursos foram empregados em hospedagem (Belém, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo – R$ 37.622,46), aluguel de veículos (Belém, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo – R$ 20.796,84), intérpretes (R$ 25.196,27) e no almoço oficial (R$ 136.064,46). Acesse os dados aqui.
⬛ Fiquem Sabendo na imprensa
O repórter Cézar Feitosa, da Folha de S.Paulo, analisou dados obtidos pela FS das pensões pagas a familiares de militares expulsos do Exército por condenações graves. São R$ 20 milhões por ano para os parentes de 238 "mortos fictícios", como são chamados esses militares. Os valores podem ser acessados aqui. No ano passado, a FS já tinha conseguido os dados das pensões com os "mortos fictícios" de Marinha e Aeronáutica. O nosso analista de dados Igor Laltuf produziu um dashboard que mostra o impacto financeiro dessas pensões.
Também na Folha, nossa diretora-executiva, Maria Vitória Ramos, e nosso diretor de Advocacy, Bruno Morassutti, listaram os vários motivos que fazem da LAI uma das melhores leis de acesso à informação do mundo. Leia a coluna aqui.
Nosso conselheiro jurídico Juliano Souto Moreira Madalena representa a FS na discussão de uma ação que corre no Supremo Tribunal Federal sobre os usos e limites de ferramentas de monitoramento secreto pelo Estado. Em audiência sobre o tema no STF, Madalena afirmou que hoje o cidadão enfrenta “dificuldade tremenda” para distinguir quais ferramentas de investigação estão à disposição do Estado e defendeu a regulamentação do uso desses instrumentos e da aquisição deles.
Esta newsletter foi produzida por Francisco Amorim, com edição de Isabel Seta.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Trabalhamos para reduzir o desequilíbrio de poder entre a Sociedade e o Estado. Disponibilizamos ferramentas para que os cidadãos questionem seus líderes, defendam políticas baseadas em evidências e participem ativamente da democracia. Conheça nosso trabalho.
Associação Fiquem Sabendo
Direção Executiva: Maria Vitória Ramos | Direção de Operações: Taís Seibt | Coordenação de Advocacy: Bruno Morassutti | Gestão de Tecnologia: Vitor Baptista