Vacinas, cloroquina e Itamaraty: como acessar telegramas diplomáticos - Don't LAI to Me #57
Veja ainda: as multas trabalhistas repassadas à vacinação, íntegra do contrato da EBC com a Record e +
Esta é a edição #57 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. É a primeira no Brasil a divulgar bases de dados inéditas de diversos assuntos e trazer dicas e tutoriais exclusivos de como obter documentos e informações do poder público por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Leia um FAQ sobre a Lei de Acesso aqui.
O que você verá nesta edição:
Como acertar na hora de solicitar telegramas do Itamaraty
As multas trabalhistas que financiaram compra de vacina no Brasil
Íntegra do contrato da EBC com a Record para a compra de “Os Dez Mandamentos”
Os dados públicos que foram citados na CPI da Covid
Queixas contra cobranças indevidas e abusivas da Sabesp crescem na pandemia
Imóveis e arrecadação patrimonial da União
Artigos da Fiquem Sabendo e o relatório que revela sete problemas na transparência de órgãos socioambientais federais
Liberando telegramas e documentos diplomáticos
Na última terça-feira, 18, a CPI da Covid ouviu o depoimento do ex-ministro do Itamaraty, Ernesto Araújo. O relator, Renan Calheiros, questionou o depoente sobre as comunicações do Ministério das Relações Exteriores (MRE) com o governo indiano para aprovar a importação de insumos para produção de cloroquina e hidroxicloroquina no Brasil.
Os e-mails com esta conversa com as empresas e o governo indiano foram apresentados pela primeira vez pela Fiquem Sabendo em janeiro deste ano, na edição 48 desta newsletter. Um conjunto de telegramas e e-mails liberados pela nossa equipe mostrou como o MRE intermediou a importação de hidroxicloroquina da Índia por empresas brasileiras. Durante a CPI, mostramos ainda como o governo tentou esconder a atuação do Itamaraty para facilitar a compra, alegando suposto sigilo industrial.
Este assunto teve grande repercussão na imprensa, como neste texto do jornalista Guilherme Amado, na Revista Época. Na semana passada, a Folha de S. Paulo também mencionou o assunto em uma reportagem com outros documentos.
Na CPI da Covid, a senadora Katia Abreu solicitou a íntegra de todas as comunicações do Itamaraty com outras embaixadas para a compra de vacinas e cloroquina.
Este tipo de comunicação diplomática também já esteve no centro de outra publicação da Fiquem Sabendo, sobre problemas em faculdades de medicina na América Latina. Os documentos serviram de base para uma série de reportagens no Estadão.
Veja abaixo como acessar esse tipo de documento com a LAI.
Como acessar os arquivos
Telegramas, despachos telegráficos e circulares telegráficas são documentos públicos e podem ser solicitados por meio da Lei de Acesso à Informação (crie uma conta FALA.BR e envie o pedido para o MRE - Ministério das Relações Exteriores). O problema é que não existe um caminho simples para pedir esses documentos, e muitas são as mensagens que recebemos dizendo que o Itamaraty negou acesso pelos mais diversos motivos, desde a informação de que o conteúdo do telegrama é sigiloso até a alegação de trabalho adicional para consolidação de dados.
Isto acontece porque, embora hoje o sistema de telegramas seja eletrônico para documentos produzidos desde 1 de janeiro de 2000, não houve uma análise prévia dessas comunicações para verificar eventuais informações sensíveis, como nomes e endereços que não podem ser publicados ou até fatos que eventualmente causem um embaraço diplomático.
Por isso, toda vez que um cidadão - seja jornalista ou não - pede acesso a um determinado telegrama ou grupo de telegramas, a instituição alega que precisa encontrar, ler e analisar os documentos. Pedidos vagos, que solicitam, por exemplo, "todos os telegramas com a palavra Dilma" dificilmente serão atendidos por este motivo.
O MRE divulgou algumas dicas em seu site para facilitar o acesso, que compartilhamos aqui:
- Delimitar dia, mês e ano de início e de fim da pesquisa;
- Sempre que possível, procurar restringir a pesquisa a período inferior a quatro anos, já que esse é o limite temporal máximo permitido, por busca, pelo mecanismo interno de pesquisa;
- Listar o Posto ou grupo de Postos de origem ou de destino do documento a pesquisar;
- Indicar palavras-chave que devem estar presentes no texto do expediente e que permitam localizá-lo;
- Mencionar apenas um descritor a ser pesquisado (ver lista de descritores).
Na prática, aprendemos que nem sempre essas dicas resolvem o problema. Como saber, por exemplo, qual é o descritor que nos interessa? Uma forma de garantir o acesso é pedir a informação, por exemplo, de quantos expedientes resultaram da busca pelos parâmetros solicitados para cada descritor. Assim você obriga o órgão público a explicar quantos documentos existem e, assim, evitar que alegue trabalho adicional. (veja aqui um tutorial que fizemos para driblar negativas de acesso com base no “trabalho adicional”).
Caso haja qualquer menção a informações sigilosas nos telegramas como motivo para a negativa, o argumento é o mesmo que indicamos para outros documentos do tipo: o artigo 7 da LAI diz que as partes sigilosas podem ser tarjadas e o restante, enviado. (“§ 2º Quando não for autorizado acesso integral à informação por ser ela parcialmente sigilosa, é assegurado o acesso à parte não sigilosa por meio de certidão, extrato ou cópia com ocultação da parte sob sigilo.”)
Veja um exemplo em que o pedido foi atendido (e esses foram os telegramas enviados).
Transparência salva vidas: apoie a Fiquem Sabendo nesta missão!
Mais de 23 mil multas trabalhistas auxiliam compra de vacinas de Covid-19 no Brasil
Assinada em dezembro de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro, quando o Brasil já registrava 184 mil óbitos e 7 milhões de casos confirmados, a Medida Provisória nº 1.015 liberou crédito extraordinário de R$ 20 bilhões para compra de vacinas contra Covid-19, cuja formação deu-se pela alocação de fontes de recursos de diferentes órgãos.
Uma das fontes de arrecadação veio do Ministério da Economia (ME) com a arrecadação de mais de 23 mil multas trabalhistas aplicadas. Ao todo, foram obtidos R$ 268 milhões com a punição de 7.411 empresas em todo o país.
Acesse aqui o ofício e a planilha com todas as multas trabalhistas aplicadas às empresas.
Processo e contrato da EBC com Record para exibição de ‘Os Dez Mandamentos’: veja os documentos
No início de março, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) adquiriu os direitos de exibição da obra audiovisual "Os Dez Mandamentos – 1ª e 2ª Temporadas”, da Record.
Foram comprados 242 episódios, no valor individual de R$ 13 mil cada, o que fez com que a empresa pagasse R$ 3,2 milhões no total. A escolha foi recebida com críticas pelo teor religioso da novela e porque seria uma forma de oferecer recursos públicos a um apoiador do governo.
A compra também foi alvo de ação popular. Em justificativa, o autor da denúncia afirmou que a exibição da novela viola o artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal, pois “as empresas públicas não podem privilegiar o cristianismo em detrimento das outras religiões exibindo a sua doutrina em horário nobre”.
Em defesa, a EBC alegou que a aquisição da produção da Record TV atinge 80% da população do país (31% da igreja evangélica e 80% da igreja católica) e integra o conjunto de esforços para a revisão da grade de programação da TV Brasil, buscando crescimento dos índices de audiência no cenário nacional. Veja na íntegra o processo de compra e a ação popular.
Citados na CPI, descobertos com dados públicos
Vários dos questionamentos feitos por senadores que participam da CPI da Covid-19 tiveram como origem reportagens e dados públicos. A Fiquem Sabendo lista abaixo alguns dos dados citados que foram revelados por nossa equipe.
Publicidade com influencers: o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República Fabio Wajngarten foi questionado sobre a contratação de influenciadores para a divulgação do chamado "atendimento precoce". Os dados foram divulgados pela Fiquem Sabendo na edição 51 da Don’t LAI to me e viraram reportagens na Revista Época, na Agência Pública, entre outros.
Telegramas do Itamaraty para garantir cloroquina: Revelados em 18 de janeiro na edição 48 da Don´t LAI to me, os e-mails mostram que o Itamaraty intermediou compra de insumos de cloroquina da Índia para empresas brasileiras. Veja a íntegra dos documentos. (e reportagem da revista Época com os documentos)
Cloroquina e o Exército Brasileiro: documentos que revelamos mostraram que o Exército nunca teve estoque do medicamento em seu laboratório (LQFEX). Sua estratégia em anos anteriores era produzir o produto sob demanda, para o tratamento de malária. Após acelerar a produção do remédio para tratar a Covid-19, mesmo sem eficácia comprovada, o laboratório manteve quase 400 mil comprimidos parados até dez/20. O prazo de validade é de 2 anos. Essa sobra é mais do que o total produzido em parte dos anos anteriores.
Veja mais sobre o assunto: decisão do TCU sobre os comprimidos fabricados | Investigação da TCU sobre superfaturamento de insumos para cloroquina
Gastos do governo com viagens: a temática é monitorada pela Fiquem Sabendo periodicamente. Veja informações que divulgamos:
Custos de todas as viagens do presidente Jair Bolsonaro em 2019 e 2020
Despesas do Escalão Avançado entre 2005 e janeiro de 2021
Os custos da viagem da presidência: ‘CoronaTrip’ aos EUA em 2020 e a íntegra dos gastos para Israel em 2021
São Paulo: Queixas contra cobranças indevidas e abusivas da Sabesp crescem durante pandemia
Dados do Procon/SP apontam que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) finalizou o ano de 2020 com o maior número de queixas desde 2009, início da série histórica. Em um ano, o número de queixas saltou de 1.935 para 4.533.
As reclamações que mais cresceram foram as de quebra de contrato, baixa qualidade do atendimento do SAC, baixa renda, cobrança indevida e abusiva e recusa injustificada em prestação de serviço.
Desde o início da pandemia (março.2020) até o final de abril deste ano, foram registradas 4.531 reclamações sobre cobrança indevida e abusiva, sendo a queixa de maior peso durante o período.
Os dados fazem parte da série histórica de reclamações contra a Sabesp, obtida pela Fiquem Sabendo por meio de um pedido de Lei de Acesso à Informação. A base de dados apresenta registros desde 2009, mês a mês, até abril de 2021. Clique aqui para ter acesso completo.
Veja o que disse a Sabesp sobre os dados: A Sabesp informou que o aumento de queixas se deu pela a criação do app, que facilitou o registro das reclamações, e a possibilidade do consumidor abrir mais de uma queixa para o mesmo assunto. Além disso, a assessoria destacou que o índice de solução das queixas, objetivo maior da empresa, foi de 89,82%, definido pelos próprios consumidores. A Sabesp não consta no ranking das 10 empresas mais reclamadas em 2020, conforme publicado pelo Procon em março. Durante a pandemia, como os moradores passaram a permanecer mais tempo em casa, houve naturalmente aumento de consumo em suas faturas. Como a tarifa da Sabesp é calculada com base em faixas de consumo, de forma progressiva, houve casos em que a Companhia esclareceu ao cliente que não se tratava de cobrança indevida ou abusiva, mas de volume realmente consumido.
Dados abertos: imóveis e arrecadação patrimonial da União
A Secretaria do Patrimônio da União divulga uma relação de imóveis que são ocupados por terceiros e que se destinam à execução de serviços administrativos ou à prestação de serviços públicos em geral, tais como prédios de repartições públicas. É possível encontrar a relação de pessoas físicas e jurídicas ocupantes e o total de receitas arrecadadas em cada unidade da Federação. Acesse aqui.
Área socioambiental: império da opacidade
Levantamento realizado pelo projeto Achados e Pedidos, uma iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Transparência Brasil, em parceria com a Fiquem Sabendo e com financiamento da Fundação Ford, revelou que o governo federal não produz ou mantém dados estruturados sobre questões chaves da área, como ações ilegais em terras indígenas, por exemplo. Acesse o relatório inédito.
Para Maria Vitória Ramos, cofundadora e diretora da Fiquem Sabendo, a conclusão deste estudo reforça problemas já apontados por outro relatório do projeto, sobre o acesso a dados sobre a titulação de terras quilombolas. “Os órgãos responsáveis pela gestão de políticas de proteção à área socioambiental no Brasil não produzem, armazenam ou divulgam dados mínimos para que a sociedade saiba o que está acontecendo e como esses órgãos estão realizando ou não as suas atividades-fim. É extremamente frustrante realizar mais de 120 pedidos de acesso à informação para dezenas de órgãos e não obter praticamente nenhuma informação útil ou atualizada”.
Queremos te ouvir!
A Fiquem Sabendo tem trabalhado diariamente para qualificar a produção de conteúdo divulgada quinzenalmente pela Don’t LAI to me. Para dar continuidade a esse processo, precisamos de você!
Responda à nossa pesquisa e nos ajude a manter o nosso trabalho na busca pela popularização da Lei de Acesso à Informação e ampliação da transparência pública. São só 5 minutinhos! Clique aqui.
Publicações no site da Fiquem Sabendo
Webinar Fiquem Sabendo e Insper: um balanço da LAI no governo Bolsonaro
Em parceria com o Insper, promovemos um evento em comemoração aos nove anos da LAI no Brasil. Nosso cofundador e conselheiro, Bruno Morassutti, conversou com Otávio Neves, representante da CGU, e Natália Mazotte, coordenadora de jornalismo do Insper. O evento foi mediado por Diego Werneck, professor de Direito no Insper e parte do Conselho Jurídico da Fiquem Sabendo. No encontro, Bruno deixou uma dica para os novatos na área: “Cada vez mais, os órgãos e entidades federais criam hipóteses de sigilo por prazo indeterminado e isso é contrário à finalidade da LAI”.
9 anos da LAI com a FS | Bate-papo com Léo Arcoverde
A Fiquem Sabendo realizou uma conversa com o Léo Arcoverde, fundador da agência e pioneiro na LAI no Brasil. No encontro, Léo relatou que, nos primeiros anos da LAI, uma das dificuldades enfrentadas era o número reduzido de servidores trabalhando no atendimento aos pedidos de acesso à informação. O jornalista também reforçou como a pressão social é importante para impulsionar a transparência pública.
Conheça os Ministérios Públicos Especiais | Lista de links para acesso
Os Ministérios Públicos de Contas (MPCs) são órgãos responsáveis pela fiscalização contábil e financeira da administração pública direta e indireta. Apesar de possuírem, segundo entendimento consolidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), “plena independência de atuação perante os poderes do Estado”, os MPCs integram a estrutura dos Tribunais de Contas onde atuam e, por isso, são também chamados de “Ministérios Públicos Especiais”.
Lei de Acesso à Informação na imprensa
Telegramas mostram que Ernesto Araújo mobilizou Itamaraty para garantir cloroquina, revela jornal | O GLOBO (com dados obtidos pela Fiquem Sabendo)
Relatório denuncia falta de transparência sobre CAR e ações em terras indígenas | Revista Globo Rural (com dados obtidos pelo projeto Achados e Pedidos)
Governo não produz dados sobre invasões de terras indígenas, diz pesquisa | Poder 360 (com dados obtidos peloprojeto Achados e Pedidos)
Orçamento secreto de Bolsonaro: ministério diz que parlamentares escolheram destino de verba | Estadão
Igreja e editora de Malafaia devem R$ 4,6 milhões em impostos | UOL
SP lidera ranking nacional de queixas de descumprimento dos grupos prioritários para vacinação contra Covid | G1
Fundação Padre Anchieta é obrigada a publicar salário de apresentadores do Roda Viva | Folha de S. Paulo
Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Nossa missão é batalhar para revelar dados e documentos escondidos da sociedade, enquanto formamos cidadãos capazes de exercer o controle dos recursos e serviços públicos ao lado da nossa equipe.
Expediente Don’t LAI to Me
Texto: Natália Santos e Luiz Fernando Toledo
Edição: Luiz Fernando Toledo
Revisão: Maria Vitória Ramos e Taís Seibt
Suporte jurídico: Bruno Morassutti
Coordenação: Maria Vitória Ramos