Veja como o governo vem usando a lei de proteção de dados para negar informações - Don't LAI to Me #64
Veja ainda: queda no número de cirurgias no SUS, atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Paraguai, os casos de Covid-19 na Copa América, o ambiente de trabalho no governo federal e +
Esta é a edição #64 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. É a primeira no Brasil a divulgar bases de dados inéditas de diversos assuntos e trazer dicas e tutoriais exclusivos de como obter documentos e informações do poder público por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Quer um manual prático para usar a LAI? Temos o Guia de Bolso da Fiquem Sabendo como recompensa da nossa campanha de financiamento coletivo. Clique aqui para saber como adquirir.
O que você verá nesta edição:
Levantamento da FS mostra como o governo federal tem usado a LGPD para barrar a LAI;
Com pandemia, número de cirurgias no SUS cai 18%; veja índice do seu Estado;
Dicas de onde acessar informações socioambientais;
Atuação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no Paraguai;
Confira o placar da Covid-19 na Copa América;
Governo federal não obtém selo de consultoria internacional que indica "ótimo ambiente de trabalho";
Queda no número de registros de furtos de energia no RJ
LAI x LGPD: ao menos 79 pedidos negados com base na lei de proteção de dados chegaram à CGU
O governo federal vem usando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor no ano passado e tinha como objetivo proteger informações privadas de indivíduos, para negar pedidos de acesso a informações públicas. Dentre os pedidos negados estão, por exemplo, registros de visitantes do Palácio do Planalto, incluindo filhos do presidente da república, e dados de proprietários rurais que constam no Cadastro Ambiental Rural (CAR).
A Controladoria-Geral da União (CGU) e a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), órgãos responsáveis por dar a palavra final sobre o que deve ou não ser divulgado em pedidos registrados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), analisaram pelo menos 79 pedidos de informação negados por outros órgãos com base na LGPD. Em praticamente metade dos casos (39), a negativa foi mantida e, portanto, não havia mais formas de recorrer. Os dados foram compilados e analisados pela Fiquem Sabendo. O número total de pedidos negados com base na lei com certeza é maior, já que não monitoramos recusas em todas as instâncias, mas somente na CGU e CMRI.
Para fazer o levantamento, buscamos precedentes (casos de pedidos avaliados no passado) da CGU e da CMRI que continham o termo LGPD. Até 10 de julho, havia 137 recursos que chegaram aos órgãos recursais com essa palavra-chave. No entanto, 58 estavam fora do escopo da pesquisa, já que não eram negativas baseadas na LGPD.
Nos recursos da CGU, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é o órgão que mais aparece com justificativas embasadas na LGPD, com 12 negativas. Os 12 protocolos são de pedidos idênticos, feitos pelo mesmo solicitante entre 5 e 10 de fevereiro deste ano. No pedido de LAI, ele solicitou esclarecimentos sobre alertas de desmatamentos ilegais e também pediu acesso aos nomes, CPFs, endereços e e-mails dos proprietários rurais que constam no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ele recebeu parte das informações solicitadas, mas teve acesso negado aos dados cadastrais com base na LGPD. A CGU manteve a negativa.
Em seguida, vem o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-PR) com oito negativas. Todos os pedidos são de acesso a registros de visitantes no Palácio do Planalto. No mais antigo deles, cujo recurso chegou à CGU em 17 de dezembro passado, o GSI negou acesso aos dados dos visitantes que se cadastraram para encontrar o presidente Jair Bolsonaro na área externa do Alvorada.
Inicialmente, o órgão disse que se tratava de dados pessoais e a LGPD impediria a divulgação das informações solicitadas. Depois, em esclarecimento à CGU, o GSI afirmou que "a divulgação dos nomes de visitantes às instalações da Presidência da República, da Vice-Presidência da República e das residências oficiais trazem prejuízo para a segurança presidencial". E aqui vale abrir um parêntese: em julho de 2020, a pasta liberou esse tipo de informação em um pedido de LAI. O GSI também alegou que as informações tinham sido classificadas como reservadas. O sigilo para esse tipo de classificação é de cinco anos. A CGU não tem competência para retirar sigilo de informações classificadas por outros órgãos.
Em relação aos outros sete casos em que o GSI negou acesso aos registros de visitantes, a CGU decidiu pela transparência. Em um dos pedidos, de dezembro de 2020, foram solicitados dados de entrada e saída de seis pessoas no Palácio do Planalto, incluindo os três filhos mais velhos do presidente. O GSI usou os artigos 6º e 7º da LGPD, que falam sobre tratamento de dados pessoais, para não repassar as informações.
A CGU avaliou que havia interesse público nas informações requeridas. Para a Controladoria-Geral, os registros de entrada e saída permitem "identificar eventuais irregularidades e indicar conflitos de interesse no exercício do cargo ou função pública". Além disso, a pasta pontuou que esse tipo de informação se refere ao "trânsito de pessoas em órgãos públicos, que se submetem ao regime diferenciado com foco no interesse público que justifica a necessidade de sua disponibilização".
A LGPD foi sancionada pelo então presidente Michel Temer em julho de 2018 e entrou em vigor em 18 de setembro de 2020. Mesmo antes de a lei estar valendo, pelo menos 16 órgãos do governo federal a usaram para barrar 22 pedidos de acesso à informação. O Ministério da Saúde lidera esse ranking, com três recursos na CGU.
Há uma semana, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a limitar o acesso a dados de filiados de partidos políticos por causa da LGPD. Ainda em 2018, o jornalista Cláudio Weber Abramo criticou possíveis excessos da lei de proteção de dados. Defensor ferrenho da transparência pública falecido em 2018, ele alertou que a filiação partidária poderia se tornar secreta.
Você conhece alguma base de dados que foi retirada do ar por causa da lei de proteção de dados? Teve algum pedido de LAI negado por causa da LGPD? Conta pra gente!
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Com pandemia, número de cirurgias no SUS cai 18%; veja índice do seu Estado
O número de procedimentos cirúrgicos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) caiu 18,8% em 2020, ano do início da pandemia no País, em comparação com 2019.
De acordo com dados tabulados pela Fiquem Sabendo no Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), disponível no portal do Datasus, do Ministério da Saúde, foram 938.269 procedimentos cirúrgicos a menos no ano passado.
Com o surto de coronavírus, muitos atendimentos eletivos (não urgentes) foram cancelados ou adiados, o que pode explicar a queda no número de cirurgias.
Nos dados tabulados pela Fiquem Sabendo, é possível ver os números e índices por Estado. Acesse a planilha aqui. Mas caso decida utilizá-los em uma reportagem, recomendamos que os índices sejam checados com as respectivas Secretarias Estaduais da Saúde.
Caso queira aprender como tabular esse tipo de dado, siga o tutorial abaixo:
Entre na página de tabulação de dados do Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS) no portal do Datasus
Escolha no menu "abrangência geográfica", do lado direito da página (acima do mapa do Brasil), a opção "Brasil por Região e Unidade da Federação"
Após a abertura do tabulador, escolha "Região/Unidade da Federação" no campo da linha e "ano processamento" no campo coluna
No campo "períodos disponíveis", escolha todos os meses referentes a 2019 e 2020, anos que vamos comparar
Nas seleções disponíveis, escolha "procedimentos cirúrgicos" no campo grupo procedimento
Ao final, clique em "Mostra". O resultado tabulado será mostrado e poderá ser exportado como arquivo do tipo .csv
Onde acessar informações socioambientais
O projeto Achados e Pedidos, uma iniciativa da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e da Transparência Brasil, realizada em parceria com a Fiquem Sabendo e com financiamento da Fundação Ford, preparou uma lista de indicações de informações, documentos e dados relacionados ao campo socioambiental em três categorias.
Divididas em três categorias - meio ambiente, indígenas e quilombolas - as informações abrangem desde dados demográficos a dados relacionados à pandemia. Proposições legislativas, pesquisas científicas e bancos de dados georreferenciados também estão entre as sugestões. Acesse a lista completa aqui.
Tem sugestões de bases de dados para abrir ou publicar? Manda uma mensagem para equipe do Achados e Pedidos no Twitter: @abraji @trbrasil @_fiquemsabendo
Paraguai expulsou quase 400 acusados de crimes para o Brasil desde agosto de 2018
Mensagens diplomáticas obtidas pela Fiquem Sabendo por meio da LAI mostram que o Paraguai expulsou sumariamente 391 criminosos do país entre agosto de 2018, quando o presidente Mario Abdo Benítez assumiu o cargo, e maio deste ano. Quase todos os infratores foram enviados ao Brasil. A ação está entre as iniciativas adotadas pelo governo paraguaio para combater o tráfico de drogas.
O documento também aponta a presença de facções criminosas brasileiras que atuam no Paraguai. "De acordo com os dados apresentados, as autoridades paraguaias detiveram, no período, 2.153 indivíduos suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas, dentre os quais importantes membros das facções criminosas 'Primeiro Comando da Capital' (PCC), 'Comando Vermelho' (CV) e 'Terceiro Comando Puro' (TCP)".
Em junho de 2019, outro telegrama da embaixada brasileira em Assunção falava sobre a crise penitenciária gerada por rebeliões do PCC no Paraguai. Na época da mensagem diplomática, os deputados paraguaios analisavam projeto de lei para declarar situação de emergência em todo o sistema carcerário do país, depois que membros do PCC assassinaram 10 presos no presídio de San Pedro de Ycuamandiyú. Além disso, as autoridades também sugeriram deportar para o Brasil detentos brasileiros ou paraguaios ligados à facção.
Presídios lotados contribuíram para o crescimento do PCC no país vizinho. "A abertura de novas penitenciárias faz parte da estratégia do governo para enfrentar o problema da superlotação do sistema carcerário, uma das principais razões para o rápido fortalecimento e expansão do PCC no Paraguai, de acordo com autoridades", escreveu no telegrama o encarregado de Negócios, Emerson Coraiola Yinde Kloss.
O embaixador Flávio S. Damico informou, em maio deste ano, que uma pesquisa do sociólogo paraguaio Carlos Peris estava repercutindo no país. O estudo mencionado no telegrama trata das transformações no modelo de inserção do Paraguai no mercado internacional de cocaína. Segundo o documento, os traficantes paraguaios estariam usando rios para escoar cocaína com destino à Europa. Isso poderia indicar uma "menor dependência de redes criminosas" daquele país em relação ao mercado consumidor do Brasil. Clique aqui para conferir o material completo.
Prestadores de serviço foram os que mais testaram positivo para Covid-19 durante a Copa América
Na edição 62 da newsletter Don’t LAI to me, a Fiquem Sabendo divulgou que o Ministério da Saúde estava preocupado com o surgimento de variantes do novo coronavírus durante a Copa América no Brasil. Em um novo pedido que fizemos (protocolo 25072.019472/2021-56), a pasta informou as ações de controle realizadas e compartilhou alguns números:
Durante o evento, foram confirmados 179 casos positivos – sendo 137 em prestadores de serviço, 25 nas delegações, 11 em atletas e 6 na Conmebol;
Os Centros de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde monitoraram 36 casos positivos nas delegações da Venezuela (16), Bolívia (5), Equador (5), Colômbia (4), Chile (2), Paraguai (1), Peru (1), Uruguai (1) e 1 caso correspondente a outra delegação não informada;
Das amostras sequenciadas geneticamente, a variante gama do coronavírus foi a predominante. Também foi identificada uma nova variante no país, a B.1.621.
Ambiente de trabalho no governo federal fica abaixo do esperado, diz pesquisa
O governo federal não conseguiu o selo internacional que indica que uma organização tem um ótimo ambiente de trabalho. A avaliação, desenvolvida pela consultoria Great Place to Work (GPTW), foi feita com mais de 30 mil servidores federais. A média geral ficou em 56 pontos, abaixo dos 70 necessários para conseguir o selo.
Na avaliação da consultoria, o pior desempenho se deu no eixo "respeito", que mediu o quanto os servidores se sentem respeitados por seus líderes, considerando também a valorização profissional, colaboração e consideração. Para esse quesito, a média ficou em 48 pontos. Já a maior média ficou no fundamento "orgulho", com 69 pontos, que avaliou o sentimento que os funcionários têm diante da sua função no negócio, da sua equipe e do ambiente de trabalho.
Em dezembro, o Ministério da Economia informou, em resposta a um pedido (03005223603202088), que o material seria divulgado no final do primeiro trimestre de 2021. No entanto, o conteúdo só foi divulgado após um recurso em 2ª instância em agosto deste ano (03005131729202116).
A iniciativa, até então inédita no governo federal, foi coordenada pelo Ministério da Economia. A pesquisa foi realizada entre setembro e outubro do ano passado. Na época, ela foi divulgada tanto no site do Enap, quanto na página do Governo Federal. O objetivo era atingir os mais de 600 mil funcionários federais. Clique aqui para conferir o questionário utilizado e as respostas.
Casos de ‘gato’ caem no estado do RJ durante primeiro ano da pandemia
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) obtidos pela Fiquem Sabendo, os registros de furto de energia elétrica diminuíram em 2020. Houve uma queda de 19% em relação ao ano anterior. De acordo com o órgão, o número de "gatos" caiu de 828 para 671.
A diminuição, entretanto, não é homogênea em todo o estado. As planilhas mostram a situação de 66 cidades fluminenses – sendo que nove delas apresentaram um aumento nos casos de furto de energia elétrica.
No primeiro trimestre de 2021, já foram identificados 203 casos de furtos de energia. Acesse aqui as planilhas com o conteúdo completo.
#SóAcreditoVendo: queremos e devemos saber para onde está indo nosso dinheiro!
A Fiquem Sabendo está entre as mais de 30 organizações que assinam o manifesto da campanha #SóAcreditoVendo. A iniciativa pede por mais transparência sobre os incentivos fiscais concedidos pelo governo e os reais benefícios gerados para a sociedade. O Brasil deixa de arrecadar R$ 300 bilhões todo ano com renúncias fiscais, e ninguém sabe quem se beneficia com as políticas de isenção. Precisamos saber para onde vão esses recursos e quais são os benefícios sociais que eles trazem.
Quer ajudar? Participe do grupo da campanha no Telegram, um espaço aberto para qualquer pessoa interessada no tema e que deseja ser replicadora da iniciativa. Para mais informações, acesse o site da #SóAcreditoVendo.
Publicações no site da Fiquem Sabendo
Entidades investem em ferramentas para prevenir apagão de dados socioambientais
Durante o 16º Congresso da ABRAJI, a Fiquem Sabendo esteve presente para falar sobre o “Monitor de Dados Socioambientais“, uma ferramenta para prevenir apagão de dados socioambientais. Se você perdeu o evento, confira aqui a cobertura
Lei de Acesso à Informação na imprensa
Ex-secretário da Anvisa acusado de ser 'lobista' da Precisa foi 25 vezes ao Ministério da Saúde | Estadão (com dados da Fiquem Sabendo)
Pix supera DOC e TED e já movimentou R$ 1,6 trilhão desde o lançamento | UOL (com dados da Fiquem Sabendo)
Bolsonaro é alvo de um processo a cada seis dias, e números superam os de FH, Lula e Dilma | O GLOBO
Ao menos 8 crianças são acolhidas após abandono diariamente no Brasil | Universa UOL
TV digital não democratizou: 73% das autorizações no governo Bolsonaro vão para canais cristãos | Brasil de Fato
Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Nossa missão é batalhar para revelar dados e documentos escondidos da sociedade, enquanto formamos cidadãos capazes de exercer o controle dos recursos e serviços públicos ao lado da nossa equipe.
Expediente Don’t LAI to Me
Texto: Natália Santos e Eduardo Goulart de Andrade
Edição: Eduardo Goulart de Andrade e Luiz Fernando Toledo
Revisão: Maria Vitória Ramos e Taís Seibt
Suporte jurídico: Bruno Morassutti
Coordenação: Maria Vitória Ramos