LAI faz 12 anos, mas sigilo eterno continua existindo no Brasil - Especial Don't LAI to Me #123
Após 5 anos de discussão contra a Abin, a Justiça negou nosso pedido de acesso a documentos. No aniversário de 12 anos da LAI, podemos afirmar: princípios básicos da lei não são respeitados; veja +
Esta é a edição #123 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
🟨 Justiça nega pedido da FS contra Abin para acessar documentos que já perderam o prazo de segredo
A Lei de Acesso à Informação completa 12 anos de vigência nesta quinta-feira (16/05), mas um dos principais avanços da legislação parece ainda não ter sido absorvido pelos Poderes brasileiros, como mostram os posicionamentos da União e da Justiça em um processo movido pela Fiquem Sabendo (FS) contra o Estado brasileiro.
A LAI estabeleceu a transparência como regra – e o sigilo, a exceção. Mesmo nos casos de necessidade de sigilo, a lei determinou o estabelecimento de prazos, depois dos quais documentos secretos deveriam ser liberados. Assim, a LAI deveria ter acabado com sigilos "eternos", estabelecidos por tempo indeterminado.
Esse, no entanto, não é o entendimento da União e da Justiça. Poucas semanas antes do aniversário da lei, a 4ª Vara Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal negou o pedido da FS para que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) disponibilize documentos cujos prazos de sigilo já perderam o efeito.
Entenda o caso
Desde 2019, a FS está processando a Abin para obter documentos de interesse público, como relatórios sobre monitoramentos de pessoas, eventos, negociações internacionais e fatos de grande relevância.
Na ação judicial, a FS é representada pelo advogado Fernando Augusto Martins Canhadas, doutor em Direito, integrante do Conselho Jurídico da FS e autor do livro "O Direito de Acesso à Informação Pública: o princípio da transparência administrativa".
A ação judicial se deu a partir do projeto Sem Sigilo, iniciativa da FS que mobilizou voluntários de todo o país para, via LAI, pedir aos órgãos públicos o acesso a documentos classificados como sigilosos que perderam os prazos de segredo. Com isso, liberamos centenas de documentos que resultaram em reportagens importantes, como esta do UOL. Mas no caso da Abin, nos deparamos com barreiras intransponíveis.
O texto da LAI diz que os documentos produzidos pela administração pública podem ficar sob sigilo por prazos determinados a partir de classificações que recebem:
os reservados, por 5 anos
os secretos, por 15 anos
e os ultrassecretos, por 25 anos
Os pedidos da FS para obter os documentos reservados da Abin, cujos prazos de 5 anos já haviam expirado, foram negados nas três instâncias administrativas.
"A Abin diz que informações que digam respeito a atividades de inteligência não estariam sujeitas aos prazos de sigilo previstos na LAI", explica o advogado Bruno Morassutti, cofundador da FS. "Ocorre que isso contraria o próprio texto da lei, que inclui atividades de inteligência dentre aquelas informações que, mesmo temporariamente restritas, devem eventualmente ser divulgadas".
Antes da sentença, conseguimos avanços: em 2021, um parecer do Ministério Público Federal acatou parcialmente nossos argumentos e sugeriu que a análise dos documentos seja feita pela Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI), comissão permanente do Congresso Nacional.
Agora, no entanto, a 1ª decisão da Justiça concordou com o entendimento da União de que, mesmo já tendo perdido o prazo de sigilo, os documentos teriam informações capazes de expor a atuação da Abin e informações pessoais.
"Na prática, todo sigilo por prazo indeterminado é um sigilo eterno. Evitar esse tipo de sigilo, comum durante a ditadura, está justamente no fundamento constitucional do direito de acesso à informação. Não importa a suposta boa intenção do agente que tente justificar o sigilo por prazo indeterminado", afirma Morassutti.
Próximos passos
Mas a FS ainda não desistiu. Já entramos com a primeira possibilidade de recurso e seguiremos na luta para garantir à sociedade o acesso a documentos oficiais de interesse público.
Não existe democracia sem transparência e accountability, portanto, não podem existir informações secretas para sempre!
Se você quer nos apoiar nessa missão, considere contribuir para a nossa atuação fazendo um PIX (CNPJ) 32.344.117/0001-89 ou colabore mensalmente pelo catarse.me/fiquemsabendo. Para doações maiores e parcerias institucionais, escreva para [email protected].
🟨 Segredos por trás dos segredos: a falta de transparência sobre informações classificadas e desclassificadas
Passados 12 anos da entrada em vigor da LAI, ainda é difícil saber – mesmo que de forma bastante genérica – quais as informações foram classificadas como reservadas, secretas ou ultrassecretas pelo Executivo, devendo ser mantida em segredo por prazos determinados.
Levantamento da FS identificou que, atualmente, sequer é possível encontrar uma estimativa precisa desse volume, pois há divergências entre dados apresentados por órgãos de controle, como a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) – composta pelos titulares de 10 Ministérios e presidida pelo titular da Casa Civil – e os órgãos que produziram e, posteriormente, tornaram sigilosas essas informações.
Identificamos ainda inconsistências nos dados divulgados anualmente por força da lei nos portais desses mesmos órgãos.
O problema não é novo e foi tratado recentemente em um relatório da Transparência Brasil. Entre outros problemas, o inventário divulgado em fevereiro apontou diferenças entre os volumes de registros apresentados pela CMRI em relação ao número de informações qualificadas no país em comparação aos dados informados pelos órgãos produtores e classificadores de informações.
Três meses depois, o Painel com Róis de Informações Classificadas e Desclassificadas, do Executivo Federal, continua fornecendo dados incompletos e imprecisos, como a FS constatou após a análise dos dados da CMRI.
Atualmente, o site apresenta róis de informações de 12 ministérios e órgãos totalizando 15.803 informações classificadas – 96,5% delas passaram ao sigilo por questões de “Defesa e Segurança”.
Principais problemas
A primeira constatação é de que o número da CMRI é inferior ao declarado pelos demais órgãos.
Um segundo problema detectado é a existência de mais de 100 classificações que aparecem no painel com datas futuras.
O site também não oferece a possibilidade de filtrar, de maneira acessível, informações classificadas e desclassificadas. As duas categorias aparecem reunidas no mesmo campo.
Por conta disso, decidimos comparar os dados apresentados pela CMRI aos seis órgãos com mais informações classificadas, segundo o painel da comissão – metade dos listados: Comando da Aeronáutica, Comando da Marinha, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério da Defesa, Casa Civil da Presidência da República e Comando do Exército.
Em cinco deles, identificamos divergências entre os números de classificação entre 2021 e 2023. Confira na tabela abaixo os cruzamentos entre os volumes apresentados.
Números que não fecham
Primeira no ranking da CMRI, a Aeronáutica apresenta números em seu portal ligeiramente superiores aos registrados no painel da comissão entre os anos de 2021 e 2023. A Força Armada soma 3.012 informações classificadas, contra 2.987.
A diferença de 25 registros pouco se compara à discrepância observada entre dados da Marinha e da CMRI. Enquanto a CMRI indicou 1.258 classificações, a corporação militar apontou 37.056 informações classificadas na última planilha que disponibilizou em seu site institucional em 11 de agosto de 2023 – ou seja, ainda sem números do 2º semestre do ano passado.
Dentre as Forças Armadas, a menor diferença foi observada em classificações feitas pelo Exército nos últimos três anos (veja gráfico). Pastas da Defesa e da Justiça também apresentaram discrepâncias.
No caso da Casa Civil, o documento do órgão indica uma classificação entre 2021 e 2023 da própria Casa Civil e outra de 550 de unidades que “passaram a compor a Casa Civil” em 2023, sem indicar quais são elas. Já o painel da CMRI atribuiu 302 classificações.
De volta para o Futuro
A análise dos dados divulgados pelos órgãos indica também falhas, algumas delas grotescas.
É o caso de uma informação produzida em 2014 pela Aeronáutica e classificada, posteriormente, como secreta. Segundo a Força Armada, a data da classificação da informação nº "67100.000897/2014-28.S.05.07/03/2014.06/03/2029.N" está no futuro – 7/03/2029 –, ou seja, ainda não aconteceu. E, no melhor estilo "De volta para o futuro", a data para fim do segredo no documento é 6/03/2029 – isso mesmo, o sigilo acaba um dia antes de ser decretado.
É claro que o exemplo apresentado aqui trata-se possivelmente de apenas um erro, entre tantos outros encontrados por quem analisa os dados, mas revela um pouco de como os segredos são tratados na República.
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🟨 CCJ aprova PL sugerido pela Fiquem Sabendo que garante pedidos anônimos via LAI
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (14) o parecer de um projeto de lei sugerido pela Fiquem Sabendo para garantir o direito dos cidadãos de fazer pedidos de informações anônimos. O texto agora vai ao Senado.
A possibilidade de fazer o pedido de forma anônima ainda não é uma realidade em vários sistemas eletrônicos de acesso à informação de governos estaduais e municipais, mas é crucial para evitar represálias e discriminação nas respostas.
O PL 5531/2020 foi redigido pela FS, apresentado pela deputada federal Adriana Ventura (Novo) e, num movimento suprapartidário, foi protocolado por 15 deputados federais dos partidos Novo, PSB, Cidadania, União Brasil, PSD, Republicanos, PL, PTB e PSC.
A aprovação marca nossa segunda vitória na Câmara dos Deputados! Em 2023, o plenário aprovou por unanimidade o PL 2725/2022, que garante transparência para os dados educacionais e, agora, está sob análise do Senado.
🟨 Mais conquistas da Transparência
Entre o último aniversário da LAI e o atual, tivemos outros avanços importantes na área:
1. Após denúncia da FS, o Tribunal de Contas da União decidiu, no início deste ano, que as empresas estatais federais devem informar a remuneração nominal e individualizada de seu quadro de funcionários. Para garantir o cumprimento dessa decisão, a FS vem protocolando dezenas de pedidos via LAI. Nós já começamos a publicar esses salários. Veja aqui.
2. Em janeiro, o Portal da Transparência passou a disponibilizar informações detalhadas de renúncias fiscais de empresas. Mais de R$ 215 bilhões em valores renunciados em 2021 podem ser consultados de forma individualizada por empresa e por benefício fiscal – algo que a FS sempre cobrou.
3. Também em janeiro, o Supremo Tribunal Federal aderiu ao Fala.BR, plataforma da Controladoria-Geral da União (CGU), que centraliza os pedidos de acesso à informação.
4. Por fim, o TCU negou um recurso da Casa Civil contra o dever de publicar os currículos e informações sobre cargos comissionados, em mais uma vitória da FS pela garantia da transparência. Toda vez que uma pessoa vai assumir um cargo de confiança no governo federal, ela passa por uma avaliação do Sistema Integrado de Nomeações e Consultas (SINC). O decreto que regulamentou esse sistema estabelecia que as informações dele seriam sigilosas. Nós denunciamos o decreto por violar a LAI – e ganhamos!
Esta newsletter foi produzida por Francisco Amorim e Isabel Seta.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Trabalhamos para reduzir o desequilíbrio de poder entre a Sociedade e o Estado. Disponibilizamos ferramentas para que os cidadãos questionem seus líderes, defendam políticas baseadas em evidências e participem ativamente da democracia. Conheça nosso trabalho.
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Associação Fiquem Sabendo
Direção Executiva: Maria Vitória Ramos | Direção de Operações: Taís Seibt | Coordenação de Advocacy: Bruno Morassutti | Gestão de Tecnologia: Vitor Baptista
Parabéns pelo trabalho e pela aprovação do PL, que se torne uma lei em breve. A única questão que eu fiquei em dúvida é como chegará a resposta da consulta anônima sem risco de comprometer o anonimato?
Talvez o próprio texto legal pudesse prever isso.