Agrotóxicos: governo se reuniu com lobistas 1 vez a cada 5 horas em meio a discussões sobre novas regras - Don't LAI to Me #130
Foram 752 agendas em menos de dois anos. No período, o setor dos agrotóxicos escapou do 'imposto do pecado' da Reforma Tributária e tirou Ibama e Anvisa do processo de aprovação de novos agrotóxicos
Esta é a edição #130 da Don’t LAI to me, a newsletter da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
⬛ Governo federal se reuniu com lobistas e empresas de agrotóxicos ao menos uma vez a cada 5 horas entre 2022 e 2024
Durante as tramitações de novas regras de uso, fiscalização, tributação e liberação dos agrotóxicos, o governo federal teve ao menos 752 compromissos registrados com participação de lobistas e representantes de empresas relacionadas a agrotóxicos. Isso significa que ocorreu pelo menos 1 reunião de autoridades do governo com o lobby dos agrotóxicos a cada 4 horas e 48 minutos entre outubro de 2022 e agosto de 2024 – considerando horas úteis da jornada de trabalho e excluindo fins de semana, feriados e pontos facultativos nacionais.
A maioria dos compromissos ocorreu no gabinete da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), local que sediou 56 encontros com lobistas ou representantes de empresas do setor. Já no gabinete do ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, foram ao menos 12 reuniões. A maior parte dos encontros foi realizada por videoconferência (232 registros, cerca de 30% do total).
Os meses que tiveram maior frequência de registros de reuniões foram maio e abril de 2024 – 1 a cada 5 compromissos levantados no período aconteceram nesses meses. Em maio foram 70 agendas e em abril foram 67. Nessa época, o Ministério da Fazenda enviou o projeto de regulamentação da Reforma Tributária sem incluir os agrotóxicos no Imposto Seletivo. Também foi nesse período que o Congresso Nacional derrubou metade dos vetos do presidente Lula (PT) à Nova Lei dos Agrotóxicos, tirando Ibama e Anvisa do processo de aprovação de novos produtos.
Em 2023, os meses com maior ocorrência de encontros do governo federal com lobistas dos agrotóxicos foram agosto (52 registros) e setembro (48 registros), época em que tramitava no Senado a Reforma Tributária, em que se discutia justamente o “Imposto Seletivo” para sobretaxar produtos nocivos à saúde.
Levantados utilizando a Agenda Transparente, ferramenta gratuita desenvolvida pela Fiquem Sabendo (FS) que permite monitorar as agendas oficiais do Executivo federal, os dados fazem parte do terceiro relatório do projeto Lobby na Comida, produzido pela FS em parceria com o site O Joio e O Trigo, com apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira. Na publicação, analisamos o trânsito dos lobistas que atuam em prol dos agrotóxicos no Executivo federal ao longo das discussões sobre o Imposto Seletivo da Reforma Tributária e o PL do Veneno, que se tornou a Nova Lei dos Agrotóxicos (Lei 14.785 de 2023).
Acesse a planilha completa com as agendas analisadas
Confira no gráfico os meses com mais compromissos registrados
🟦 Saiba o que estava em discussão enquanto lobby dos agrotóxicos se reunia com o governo
As 752 agendas do governo federal com lobistas dos agrotóxicos aconteceram durante mudanças regulatórias relevantes para o setor, como a Nova Lei dos Agrotóxicos – decorrente do PL do Veneno – e a Reforma Tributária. Em uma série de reportagens do site O Joio e O Trigo, produzida em parceria com a Fiquem Sabendo, mostramos o papel do lobby nos rumos dessas decisões.
Em “Agrotóxico, o assunto ignorado pela reforma tributária”, foi revelado que o governo federal ignorou as recomendações da sociedade civil e de órgãos orientados para a saúde coletiva ao não incluir os produtos químicos no Imposto Seletivo da Reforma Tributária. Enquanto isso, durante o período de discussão da Reforma, o governo federal realizou dezenas de reuniões com o lobby dos agrotóxicos.
A reportagem “Ministério da Agricultura boicota programa de redução de agrotóxicos há dez anos” expõe como o órgão tem atuado para impedir o avanço do programa que propõe maior controle sobre o uso dos agrotóxicos. E por fim, a reportagem “Nova Lei de Agrotóxicos: Como funciona? Ninguém sabe” traz os bastidores da regulamentação das novas regras, mostrando as reuniões do Mapa com entidades representantes dos agrotóxicos para tratar do assunto.
Como adiantamos na Don’t LAI to Me #129, 2022 foi o ano em que o Brasil bateu recorde no registro de agrotóxicos, com 652 produtos liberados pelo Mapa. Syngenta, Bayer, Adama e Basf estão entre as empresas que mais pediram liberação de agrotóxicos em toda a série histórica disponibilizada, e também estão entre as que mais conseguiram registros por ação judicial no período de 2019 a 2023, segundo os dados do Ibama. Essas empresas também se destacam nos encontros mapeados no estudo.
Esses destaques estão no relatório “Regulamentação de agrotóxicos: o trânsito de lobistas no Executivo federal em meio à definição de novas regras”, o terceiro que compõe o projeto Lobby na Comida, realizado pela Fiquem Sabendo, com apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira.
🟦 Reforma Tributária, Consea, agrotóxicos: relatórios analisam encontros do governo federal com lobistas em pautas ligadas à alimentação
Iniciado em agosto de 2023, o projeto Lobby na Comida teve como propósito demonstrar como os registros oficiais dos compromissos de autoridades públicas podem ser uma fonte de estudo científico e investigação jornalística sobre a atuação de lobistas frente a importantes momentos decisórios.
No primeiro relatório, lançado em novembro de 2023, monitoramos 1.810 compromissos das autoridades do governo federal com o tema da Reforma Tributária e analisamos como a indústria de ultraprocessados se mobilizou ao longo da tramitação da PEC da Reforma no Legislativo.
Já no segundo relatório, lançado em maio de 2024, mostramos as principais políticas de combate à fome adotadas pelo governo federal a partir das recomendações do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), além dos compromissos das autoridades do Executivo federal com representantes da indústria alimentícia para tratar da agenda de insegurança alimentar.
Fechando a trilogia do projeto, lançamos em primeira mão nesta edição da Don’t LAI to Me um relatório feito em parceria com O Joio e O Trigo, com a análise dos mais de 700 compromissos que indicam como o lobby atua para influenciar a regulação, fiscalização e tributação dos agrotóxicos no país.
Acesse aqui a íntegra dos relatórios do Lobby na Comida
O projeto Lobby na Comida conta com o apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira para mapear eventuais conflitos de interesse em políticas públicas de alimentação.
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🟨 Veja quanto custou a implementação do serviço de informação do seu estado
Zero ou 24 milhões de reais? Os gastos vão de um extremo ao outro quando se trata do desenvolvimento de sistemas digitais pela administração pública. Foi o que a Liga da Transparência, comunidade da FS, descobriu em uma força-tarefa para saber mais sobre o tempo, orçamento e recursos humanos alocados para a elaboração e operação dos e-SICs (Sistema Eletrônico do Serviço de Informações ao Cidadão).
Por que isso é relevante? A resposta é simples: o e-SIC concretiza um direito de todo cidadão brasileiro. A Lei de Acesso à Informação - LAI (art. 10, § 2º da Lei 12.527/2011) determina que todos os órgãos públicos, sejam da União, estados, Distrito Federal ou municípios, “devem viabilizar alternativa de encaminhamento de pedidos de acesso por meio de seus sítios oficiais na internet”.
Para entender mais sobre esses sistemas, protocolamos 80 pedidos de informação para governos estaduais, prefeituras de capitais e assembleias legislativas - desses, 78,7% (63) foram respondidos.
Para conferir a solicitação que enviamos para todos os órgãos públicos, clique aqui. Que tal aproveitar o modelo e replicá-lo para a prefeitura e/ou câmara da sua cidade?
A maioria dos e-SICs foram elaborados pelo próprio ente público
Sobre o desenvolvimento dos e-SICs, 78,7% (48) dos 61 órgãos que responderam à questão informaram que os serviços foram elaborados pelo ente público, 12 por contratação externa e um de forma mista. Dos 48, pelo menos dez foram executados por empresas públicas.
Entre os desenvolvidos por empresas privadas, há três contratações milionárias: a do sistema da prefeitura do Rio de Janeiro, contratado em 2010 no valor de R$ 24.600.000,00; a do governo do Ceará, que em 2016 custou R$ 3.467.885,35; e a do governo de Pernambuco, de R$ 1.777.285,08 (resultado de contratos firmados de 2008 a 2012). No entanto, há um ponto de atenção aqui: os valores não se referem apenas à elaboração dos e-SICs, mas sim a sistemas multifuncionais que não se resumem à ferramenta de registro de pedidos de informação. No caso do Rio, a Central de Atendimento 1746; no CE, a plataforma Ceará Transparente; e de PE, o Sistema de Ouvidoria do Estado de Pernambuco.
Há dez casos em que o sistema foi desenvolvido por empresa pública: nos governos de Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, e na prefeitura de Porto Alegre, os custos anuais de manutenção foram de, respectivamente, R$ 38.216,00 (PR), R$ 75.216,84 (RS), R$ 41.231,40 (SC), R$ 331.079,51 (SP) e R$ 33.682,80 (POA). O grupo também inclui os governos de Mato Grosso e Pará, além das prefeituras de Campo Grande (MS), Recife (PE) e São Paulo (SP). Novamente, os sistemas contemplam outros serviços além do atendimento a solicitações de informação.
Veja aqui a relação completa dos órgãos questionados e a modalidade de desenvolvimento do e-SIC.
FALA.BR: uma alternativa gratuita
O Fala.BR é a plataforma de ouvidoria do governo federal no Brasil, que passou a receber também os pedidos de LAI a partir de agosto de 2020, permitindo que os cidadãos registrem qualquer tipo de manifestação a órgãos da administração pública federal a partir de um cadastro único.
A plataforma é completamente gratuita, e está à disposição das ouvidorias de todos os Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. No entanto, só 19,3% (12) de 62 respondentes aderiram à ferramenta.
Entre para a Liga da Transparência
O levantamento foi elaborado, de forma colaborativa e voluntária, por 18 membros da nossa comunidade, de março a junho de 2024. A Liga da Transparência é um espaço amigável para troca de experiências, aprendizados e condução de projetos envolvendo a Lei de Acesso à Informação, transparência pública, dados e tecnologia. Para participar, basta preencher este formulário.
A Fiquem Sabendo agradece aos 18 membros que realizaram a investigação sobre o desenvolvimento dos e-SICs:
Ali Marques, Cassuça Benevides, Denise Paro, Djhonatan Moreira, Elias Marques Júnior, Francielly Barbosa, Jalmir Oliveira, João Vitor Reis, Luana Motta, Marcos Acacio, Mauro Sugawara, Milene Eichelberger, Paulo Meira Neto, Pedro Souza, Raphaela Suzin, Rogério Florentino, Thalia Gonçalves e Yara Almeida.
Se você quer nos apoiar nessa missão, considere contribuir para a nossa atuação fazendo um PIX (CNPJ) 32.344.117/0001-89 ou colabore mensalmente pelo catarse.me/fiquemsabendo. Para doações maiores e parcerias institucionais, escreva para [email protected]
🟨 E mais
Alô, quem é? Pedimos ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) dados estatísticos das denúncias recebidas pela pasta sobre telemarketing abusivo. Relembrando: em julho de 2022, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do MJSP, determinou a suspensão das atividades de telemarketing consideradas abusivas de 180 empresas brasileiras e criou um canal para que os cidadãos pudessem enviar denúncias. Como mostra a resposta que recebemos, não deu certo: "não obstante as possíveis boas intenções da autoridade que editou a referida medida, verifica-se que ela padece de vícios referentes à proporcionalidade e à eficácia", diz o texto enviado pela Senacon. O canal de denúncias chegou a ser questionado na Justiça e, depois, foi suspenso pela pasta em janeiro de 2024. Nos meses em que funcionou, o canal recebeu 121.537 denúncias. Veja as informações aqui.
Sem terras para assentamentos. Em março deste ano, conforme reportou o jornal OGlobo, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que enviaria ao presidente Lula uma relação de terras públicas devolutas que poderiam ser destinadas a assentamentos. Terras devolutas são áreas públicas que em nenhum momento integraram patrimônio privado e podem ser concedidas a particulares ou destinadas à reforma agrária. Segundo o jornal, a lista foi um pedido do próprio presidente. Pedimos, então, essa lista ao Incra. A resposta? "Informa-se que os sistemas de gerenciamento de regularização fundiária não possuem base de dados com informações sobre as terras devolutas ainda existentes no país, não sendo possível fornecer essas informações no momento". O órgão diz, ainda, que terras devolutas federais precisam passar por um longo e complexo processo para serem destinadas à reforma agrária. Veja a resposta completa aqui.
Esta newsletter foi produzida por Luana Brasil, com colaboração de Francisco Amorim e edição de Isabel Seta e Taís Seibt.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Trabalhamos para reduzir o desequilíbrio de poder entre a Sociedade e o Estado. Disponibilizamos ferramentas para que os cidadãos questionem seus líderes, defendam políticas baseadas em evidências e participem ativamente da democracia. Conheça nosso trabalho.
Associação Fiquem Sabendo
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