Caso Rubens Paiva: conseguimos informações das fichas funcionais de cinco militares envolvidos na morte do deputado - Don't LAI to Me #144
Veja também: lista de bens culturais tombados pelo Iphan desde 1938 e a relação de viagens do helicóptero presidencial no governo Lula
Esta é a edição #144 da Don’t LAI To Me, a newsletter quinzenal da Fiquem Sabendo para quem quer informação direto da fonte. Todo o conteúdo é produzido com base na Lei de Acesso à Informação (LAI). Entenda tudo sobre a legislação na nossa WikiLAI!
🟨 Militares envolvidos na morte de Rubens Paiva foram promovidos após o crime; alguns receberam até elogios antes de irem para a reserva
Passados 61 anos do golpe militar de 1º de abril de 1964, muitas informações seguem ocultas pelo Comando do Exército. Entre elas, estão informações detalhadas da carreira dos militares envolvidos na morte do ex-deputado Rubens Paiva, assassinado em 1971 nas instalações do Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). A história do parlamentar, que teve o mandato cassado durante a ditadura, e de sua viúva, Eunice Paiva, é relatada no livro Ainda estou aqui, escrito por seu filho, Marcelo Rubens Paiva. A obra inspirou o filme homônimo, estrelado por Fernanda Torres, que venceu o Oscar de Melhor Filme Internacional.
Em busca de mais informações sobre os militares citados no caso, a Fiquem Sabendo (FS) solicitou, via Lei de Acesso à Informação (LAI), o inteiro teor digitalizado das fichas funcionais de cinco oficiais mencionados no relatório da Comissão Nacional da Verdade: Freddie Perdigão Pereira, Rubem Paim Sampaio (Rubens, na ficha enviada pelo Exército), Raymundo Ronaldo Campos, Jacy Ochsendorf e Jurandyr Ochsendorf. Segundo a investigação da Comissão da Verdade (o relatório preliminar publicado em 2014 pode ser acessado aqui), os cinco militares teriam se envolvido de diferentes formas no episódio. Freddie Perdigão Pereira e Rubem Paim Sampaio participaram da recepção e do interrogatório de Rubens Paiva no DOI-CODI, mas não foram apontados diretamente como responsáveis por sua morte. Já Raymundo Ronaldo Campos, Jacy Ochsendorf e Jurandyr Ochsendorf atuaram na tentativa de encobrir o desaparecimento por meio da farsa do resgate, embora também não tenham sido vinculados diretamente à morte no relatório.
A investigação identificou Antônio Fernando Hughes de Carvalho como o agente responsável por torturas. O então major José Antônio Nogueira Belham, à época comandante do DOI, é considerado responsável pela morte e desaparecimento de Rubens Paiva, em razão de seu conhecimento e consentimento das práticas de tortura. A FS também já protocolou pedidos de informação para obter as fichas de Hughes e Belham.
Embora ainda não tenhamos recebido do Exército os documentos completos solicitados, os extratos parciais das fichas funcionais dos cinco militares mencionados no relatório da Comissão Nacional da Verdade que obtivemos já revelam informações importantes sobre suas trajetórias. Os documentos recebidos estão disponíveis nesta pasta. Entre os dados disponibilizados estão o último posto ocupado, o tempo total de serviço e quando foram para a reserva (a forma de aposentadoria no âmbito militar). Também constam os cursos militares realizados, as promoções recebidas e os cargos ou funções exercidos ao longo da carreira, com registros anteriores e posteriores à morte do ex-deputado Rubens Paiva.
Além disso, os documentos trazem referências elogiosas registradas oficialmente. Ainda que resumidos, esses dados permitem mapear parte do percurso institucional dos envolvidos no episódio e reforçam a importância do acesso às fichas completas, com transparência e integralidade.
Os documentos indicam, por exemplo, que todos os cinco militares foram promovidos tanto antes quanto depois da morte do deputado.
Com exceção de Rubem, todos foram promovidos mais de uma vez, e, posteriormente, anos ou décadas depois, todos passaram para a reserva. À exceção de Jacy Ochsendorf e Rubem Paim Sampaio, os demais receberam também referências elogiosas formais em suas fichas funcionais ao longo da carreira após a morte de Rubens Paiva.
Falta de fichas motivam recursos
Os pedidos de informação protocolados para cada um deles foram fundamentados no interesse público e no direito à memória e à verdade, conforme previsto na própria LAI. Até o momento, no entanto, o Exército respondeu apenas parcialmente, encaminhando extratos resumidos em vez dos documentos originais solicitados, levando a Fiquem Sabendo a recorrer.
“Seguimos recorrendo para que os registros completos sejam disponibilizados, ainda que com eventuais tarjas sobre trechos legalmente protegidos”, explica o diretor de Advocacy, da Fiquem Sabendo, Bruno Schmitt Morassutti. Segundo ele, as fichas originais podem conter informações relevantes sobre a trajetória e conexões institucionais desses militares ao longo da carreira. Na avaliação de Morassutti, o envio apenas de resumos impede verificar o que foi suprimido, contrariando decisões reiteradas da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU). Segundo ele, no caso de violações de direitos humanos, o artigo 21, parágrafo único da LAI proíbe expressamente qualquer espécie de restrição de acesso. Além disso, no caso de agentes públicos já falecidos – como é o caso de Rubem, Raymundo e Jurandy – não há incidência da Lei Geral de Proteção de Dados, conforme já reconhecido pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
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🟨 Patrimônio cultural: veja a lista atualizada de bens tombados pelo Iphan desde 1938
Em 5 de fevereiro de 2025, parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis, no Pelourinho, desabou durante o horário de visitação. O colapso estrutural provocou a morte da turista Giulia Panchoni Righetto, de 26 anos, e deixou outras cinco pessoas feridas. Tombado como patrimônio histórico pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o templo é um dos principais exemplares do barroco brasileiro. Após o ocorrido, a Fiquem Sabendo (FS) solicitou, via LAI, a lista de bens tombados no Brasil.
A lista fornecida pelo Iphan inclui mais de 2,5 mil ítens, entre imóveis de diferentes tipos – de casarões a igrejas – além de conjuntos arquitetônicos e acervos documentais e artísticos. Entre os 298 registros mais antigos, estão bens tombados ainda em 1938, como a própria Igreja de São Francisco de Assis.
Esses bens estão organizados em quatro categorias, conhecidas como livros do tombo: o Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, que reúne sítios arqueológicos, paisagens naturais e manifestações culturais de comunidades tradicionais; o Livro do Tombo Histórico, voltado a imóveis e locais de relevância para a história nacional; o Livro das Belas Artes, destinado a obras de arte com valor estético autônomo, como pinturas e esculturas; e o Livro das Artes Aplicadas, que abrange peças com valor artístico e função prática, como mobiliário e objetos decorativos.
A base de dados entregue pelo Iphan revela que há, ao menos, 1,7 mil bens com tombamento ou em instrução – ou seja, não foram cancelados ou indeferidos. Uma breve análise preliminar revela que a maior concentração de bens tombados se localiza na faixa territorial entre a Bahia e São Paulo, como revela o mapa abaixo.
Apesar de o dicionário de variáveis não ter sido encaminhado, conforme solicitado em nosso pedido de informação, a planilha fornecida já representa um ponto de partida para identificar e localizar bens tombados. A planilha pode contribuir para o controle social sobre as condições físicas desses locais e de seus acervos.
É possível saber, por exemplo, se determinado conjunto arquitetônico foi classificado como ruína ou edificação, se o tombamento está relacionado a uma área quilombola ou se trata de um sítio arqueológico.
Contudo, a ausência da codificação solicitada impede a compreensão de alguns detalhes sobre a fase do tombamento. Ainda assim, os dados permitem identificar quais processos estão em fase de instrução, conforme previsto na Portaria nº 11/1986 do Iphan, que define as etapas da instauração do processo de tombamento. Ao todo, 382 bens constam como “em instrução” na base. Destes, 167 tramitam há mais de dez anos, ou seja, são anteriores a 2015; 107 deles tiveram o processo iniciado antes mesmo do ano 2000. Como a base inclui campos como número de identificação e localização do processo no instituto, é possível buscar informações complementares sobre cada bem específico, nos dados disponíveis.
🟨 Helicóptero presidencial: confira todas as viagens colocadas em sigilo até o final do mandato de Lula
A Fiquem Sabendo (FS) obteve, via LAI, a lista de viagens realizadas pelo helicóptero presidencial desde 2023. O pedido de informação foi feito ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI-PR), com solicitação de dados detalhados: data dos voos, origem e destino, nomes (com CPF parcial) dos passageiros e finalidade das viagens. Em resposta, contudo, o GSI negou o fornecimento integral dessas informações, alegando que os relatórios de viagem estão classificados como reservados até o fim do mandato presidencial, com base no artigo 25 do Decreto 7.724/2012 – por envolverem dados que “podem pôr em risco a segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares”.
Apesar disso, o órgão encaminhou uma lista com os locais dos voos (não está claro se é o ponto exato da decolagem) e os números dos Cidics (códigos que identificam documentos classificados). Cada número traz embutidas duas datas: a da classificação da informação (início do sigilo) e a da desclassificação (prazo de expiração do sigilo). Um exemplo é o primeiro voo da lista com o município de Santos descrito na coluna “local” da tabela, registrado sob o código 00185.000001/2023-38.R.05.02/01/2023.04/01/2027. Nesse caso, a informação foi classificada em 2 de janeiro de 2023 e deverá ser tornada pública em 4 de janeiro de 2027. A base parcial permite acompanhar o uso da aeronave e fundamentar novos pedidos, inclusive de revisão ou desclassificação da informação. Acesse os documentos aqui.
⬛ FS na imprensa
Remuneração nos TCEs - A Fiquem Sabendo foi citada na reportagem Pagamento extra por acúmulo de trabalho em órgão do Espírito Santo equivale a cerca de 30% dos salários, de Bruno Ribeiro, publicada na Folha de S.Paulo na segunda-feira (25). A matéria menciona dados produzidos para a edição 137 desta newsletter, enviada aos nossos assinantes em dezembro do ano passado, sobre a remuneração dos conselheiros dos Tribunais de Contas Estaduais.
Lobby na Comida - Ao falar da história dos transgênicos no Brasil, o Le Monde Diplomatique Brasil citou dados produzidos pela Fiquem Sabendo no projeto Lobby na Comida, que monitorou a atuação de grupos de interesse sobre políticas públicas de alimentação e agricultura no país. A reportagem 20 anos da Lei dos Transgênicos e um país em insegurança alimentar e ambiental, de Jaqueline Andrade, Giovanna Menezes e Lizely Borges, publicada no domingo (24), emprega dados do nosso projeto publicados também na edição 130 da newsletter, de agosto do ano passado. O projeto baseado em informações da nossa ferramenta Agenda Transparente contou com apoio dos institutos Ibirapitanga e Serrapilheira. A investigação do Lobby na Comida citada pelo Le Monde foi feita em parceria com O Joio e O Trigo.
Esta newsletter foi produzida por Francisco Amorim, com edição de Taís Seibt.
⬛ Sobre a Fiquem Sabendo
A Fiquem Sabendo é uma agência de dados independente e especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Trabalhamos para reduzir o desequilíbrio de poder entre a Sociedade e o Estado. Disponibilizamos ferramentas para que os cidadãos questionem seus líderes, defendam políticas baseadas em evidências e participem ativamente da democracia. Conheça nosso trabalho.
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Associação Fiquem Sabendo
Diretora-Executiva: Maria Vitória Ramos | Diretora de Estratégia: Taís Seibt | Diretor de Advocacy: Bruno Schmitt Morassutti | Diretor de Tecnologia: Vitor Baptista